sábado, 10 de agosto de 2013

Multa (rompimento de cláusula)

Se a nota falsa desse acorde-me
satisfaz bastante
eu vou poder cantar.
(Vital Farias, Nave Mãe)

Quando algum acorde me acordar
jogarei pela janela todos os contratos
carimbados, autenticados.

Os papéis voarão pela cidade sem platéia
entre pombos e fantasmas plastificados
no descompassado balé dos ventos de agosto.

Garis recolherão mal-humorados
os contratos deteriorados que se acumularam
nos bueiros, nos pontos de ônibus.

Um menino com farda da prefeitura
fará um avião de papel
com cláusulas perdidas.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Poema De Vez





Avoa no mar
Veleja no vento
Verdeja na mata.

Espada do mandacaru
Azedo do umbú
Dono da sombra.

O verde vadeia nas folhas do terreiro.
Verdade que veste a manga espada
E dorme no zóio de Kalú.

O verde rumina o boi
O verde redime o sol
E acende vagalumes.

Verde é sumo
Viço que cala a seca
Lagarta de fogo
Pai do olho d’água
Verde verso vão.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Isto não é um poema

Não há nada que me devore mais que silêncios.
Silêncios ecoam mais que barulho no vazio,
E vazio é matéria principal de ser humano.


Vãos
Vácuos
Lacunas
E azia, muita azia.


Todas as palavras que verbalizamos
(desde o dia em que nascemos)
É a tentativa estúpida
De encontrar a denominação exata
para a ferida aberta da existência.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

(Continu)idade



Hoje conheci uma delicada senhorinha. Dona Maria magrinha e doce que dia 18 completará 95 anos. Na sala sobre o seu piano a fotografia do marido [ela toca olhando para ele] e um poema que ele fez em vida ilumina uma das paredes. Dona Maria recita 2 ou 3 poemas do saudoso e amoroso marido e me diz:
-Eu fui muito feliz minha filha! Nunca tive doença nenhuma. Felicidade dá saúde! Mas agora sinto um cansaço enorme e só consigo ficar deitada.
Retruquei:
- Mas viver cansa [sorriso imenso]. Tem dias que eu mesma já não aguento...

Ineficácia

Quando o sentido das coisas se esvai
e tudo fica oco
Nada vale um soco
que dirá um poema.



terça-feira, 15 de maio de 2012

Mais sem-razões do amor



Piano de calda no meu chão de barro batido
Sinfonia de Beethoven no alto falante da feira
Pagode russo sonhado pelo Rei do Baião
Ária na boca das lavadeiras
Poema épico de Zé Limeira
Lagoa onde espelho a minha pouca razão
Doçura mítica decantada
Dono dos dias sem azulação.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Marambaia


Meu amor,
preciso de uma casa que caiba a vida inteira.
Uma casa que seja rota de pássaros encantados
e onde gameleiras possam crescer nas paredes.
Cheiro de manhã e madrugada,
vestir branco aos domingos,
tabela de quem laa a louça.
Um dicionário de sinônimos
para acalmar o que preciso dizer
e a virtude que nos cabe.

Acredito mais na alacridade que no amor.
Principalmente no viço da vida
e sua pulsação em cada gesto.
Nossos livros e amigos.
Nossas horas dedicadas ao nada,
poder caber no seu afago.
E uma cama que comporte nossos sonhos
e insônias.

Almejo a elegância do cotidiano,
o riso franco e a palavra aberta.