quarta-feira, 12 de março de 2008

O Tempo e as Flores


*Ao menino que dorme num galho da mangueira da ilha Itaparica

"Ê Tempo makura de ilê
Ê Tempo makurá tátá
É uma kuraxó

É um makuriá"


Tenho uma casinha pro lado de lá
atravessando a baía, seu moço
Não é grande, pouca coisa,
mas é meu .

Minha casinha tem um quintal de terra preta
terra preta cheirosa

e que é a razão de minhas unhas estarem quase sempre escuras

de ficar alisando a pele da terra
.

Ganhei de presente uns galhos de carambola.
Procurei saber da possibilidade de se arranjar um embondeiro

pra plantar pelo lado de lá,
eu moraria dentro de um.


Mas eu estou te escrevendo por outro motivo.

Comprei umas sementes,

achei uns
cactos exóticos
(embora não faça idéia do que seja um
cacto exótico)
plantas carnívoras,

achei umas tais sementes de
tamarillo
uma fruta de um país imaginado e esquecido.

Ora-pro-nobis
comprei por causa do nome:

floresce de janeiro à abril.

Lembrou minha avó cantando na trezena de Santo Antônio.
Essa planta tem ladainha.


E, claro,
flamboyants.
Acho que
são o sorriso de Ossaim.
A convulsão das cores.

A inspiração dos fogos de artifício não-artificiosos.

Já ouviu falar?

É coisa de americano...


Comprei um
bonsai,
aquelas plantas pequeninas
Se duende existe com certeza
que arma rede embaixo de bonsai!

Mas as plantas são amantes do tempo e da terra.

Acho que também somos, mas esquecemos

(são muitos os presentes e as catástofes do esquecimento...)


Guardei as sementes na barriga da terra hoje
.
Era fim de tarde,
beijei o chão
numa promessa de lealdade à espera.
Não sei e não me importa quanto tempo elas precisarão

para crescer de forma que eu possa abraçá-las,
dormir embaixo das grandes
e cochichar ao ouvido das pequenas

Mas se você quiser esperar comigo
vai ter um dia que seu telefone vai tocar
(porque estarei feliz e elétrica demais para escrever)
te direi que minhas plantas, flores e árvores estão lindas

que minha casinha está imersa no colorido do sorriso do tempo.

E vou ficar muito orgulhosa quando você chegar

e achar bonito também.


A gente pode até acender uma fogueira
e dançar aquela ciranda da rosa vermelha outra vez.
Podemos caminhar até os manguezais.

Cantarei minhas impressões pra você.


Me dê tempo

e te darei flores.











terça-feira, 11 de março de 2008

Lembranças Imaginadas


"Quando eu morrer
toca Idalina pra mim
toca Idalina pra mim
toca Idalina pra mim ..."


Tenho avidez por memórias descompassadas.
Agarro-as como os colares de licurí
que presos ao pescoço
adocicavam na infância
minha boca nas feiras de sábado.
O que vivi e o não-vivido
se insinuam numa obscenidade
de crianças que desejam se tocar.

Aquelas cascas de verduras jogadas
sobre as raízes da amendoeira
do jardim da frente.
O pé de alfazema
que se molhava a cada fim de tarde.
E eu que não entendia esses ritos.

O silêncio é uma forma de amar.
E eu que não entendo mais nada...
-Entender serve pra quê?
Sou quase mais feliz quando não entendo.
Como os homens que apontavam para as estrelas
sem saber direito o que eram de fato.