Era uma vez o que não era ...Era uma vez às vezes...Era outra vez o que não se via...Era de uma vez ...Era sem vez...Era e não era...
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Onde não se escuta o riso do Erê
"Que tempo mais vagabundo
Esse agora
Que escolheram pra gente viver?" *
Tento me explicar aos poucos para ser entendida, já me cansei desse texto, mas posso sim falar uma última vez. É esse seu olhar quando te vejo. Às vezes saio de casa e você está a dormir no pé da ladeira, em sua face existem milhares de rostos, todos marcados como culpados. Você denuncia calado, mas está aí, qualquer um pode ver sua solidão, suas roupas rasgadas, seus pés grossos. O sobressalto em seu peito quando avista as luzes da polícia. A dor no estômago quando escuta os gritos perdidos na madrugada.
Um moleque que masca chiclete para a exposição de Cosme e Damião no centro da cidade, sentado em seu colchão velho e sem forro, que causaria crise alérgica a qualquer classe média.
O tilintar das poucas moedas acompanha seus passos. O dinheiro é Deus. É ele que determina a fome ou sua saciedade. O Gentileza falou em “capetalismo”, o capeta do capital. Será deus ou diabo?
O que me resta é essa dor costumeira que quase já não se sente, essa angústia de um conformismo lustrado por meninos de esquina. Esse cheiro de urina diz muito sobre essa cidade. É exatamente isso, esse cheiro de urina num quarto de paredes umedecidas, pobreza e esse rancor classe média.
Os meninos exibindo suas feridas no sinal e no centro da cidade uma eclética exposição de Cosme e Damião.
* Milagres (Cazuza/ Frejat)
Flornoasfalto
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Do desejo (trechos)
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
Hilda Hilst
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Sopro
recomeço das cinzas
do bolor do inútil
do desespero
da euforia
da loucura
do torpor...
enfim, dessa gradação atordoada.
A vontade é mesmo de gritar, de abraçar
dançar o ritmo mais inescrupuloso
mostrar minhas pernas,
o calor das minhas coxas
te xingar, te bater
beber e rir com você
porque nada nesse mundo se explica
(as explicações são todas vãs!!)
não quero passar como mais um
cinzento e triste
prisioneiro da própria vida
como um corpo morto numa cova
eu quero muito
eu quero tudo
eu quero mais
Quero cantar a louca canção que emana convulsiva dos meu lábios
rir das minhas próprias tragédias e fracassos e seguir em frente
lúcida e cansada
um cansaço feliz dos que não se deixam abater
Poderia te contar as mil e uma ficções sobre mim
mas fique com esta:
desgarrada do que condena,
meu destino é o vento
a luxúria de toda a casualidade
Amar, meu bem, é uma vulgaridade!
segunda-feira, 2 de junho de 2008
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segunda-feira, 26 de maio de 2008
Alta Tensão
eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
Bruna Lombardi
obs: O quê? Bruna Lombardi? É...eu sei...
sábado, 24 de maio de 2008
Travesseiro importado de pena de ganso
Uma inquietação se derrama sobre os becos da cidade
Incerteza que desafia as probabilidades
Insandice que se derrama pelos olhos
Escorre pela boca
Delírio-de-manga que vaza pelos cotovelos
Levanto no meio da madrugada
Um anti-sono estranho se abate sobre mim
A lucidez do avesso me instiga
Saudade de nem-sei-o-quê...
Coloco as roupas pra lavar
E a máquina me traduz o movimento do mundo
Por onde andarão as estrelas voadoras?
O que se abafa é o que mais grita
nesse peito abafado.
quarta-feira, 12 de março de 2008
O Tempo e as Flores
"Ê Tempo makura de ilê
Ê Tempo makurá tátá
É uma kuraxó
É um makuriá"
Tenho uma casinha pro lado de lá
atravessando a baía, seu moço
Não é grande, pouca coisa,
mas é meu .
Minha casinha tem um quintal de terra preta
terra preta cheirosa
e que é a razão de minhas unhas estarem quase sempre escuras
de ficar alisando a pele da terra .
Ganhei de presente uns galhos de carambola.
Procurei saber da possibilidade de se arranjar um embondeiro
pra plantar pelo lado de lá,
eu moraria dentro de um.
Mas eu estou te escrevendo por outro motivo.
Comprei umas sementes,
achei uns cactos exóticos
(embora não faça idéia do que seja um cacto exótico)
plantas carnívoras,
achei umas tais sementes de tamarillo
uma fruta de um país imaginado e esquecido.
Ora-pro-nobis
comprei por causa do nome:
floresce de janeiro à abril.
Lembrou minha avó cantando na trezena de Santo Antônio.
Essa planta tem ladainha.
E, claro, flamboyants.
Acho que são o sorriso de Ossaim.
A convulsão das cores.
A inspiração dos fogos de artifício não-artificiosos.
Já ouviu falar?
É coisa de americano...
Comprei um bonsai,
aquelas plantas pequeninas
Se duende existe com certeza
que arma rede embaixo de bonsai!
Mas as plantas são amantes do tempo e da terra.
Acho que também somos, mas esquecemos
(são muitos os presentes e as catástofes do esquecimento...)
Guardei as sementes na barriga da terra hoje.
Era fim de tarde,
beijei o chão numa promessa de lealdade à espera.
Não sei e não me importa quanto tempo elas precisarão
para crescer de forma que eu possa abraçá-las,
dormir embaixo das grandes
e cochichar ao ouvido das pequenas
Mas se você quiser esperar comigo
vai ter um dia que seu telefone vai tocar
(porque estarei feliz e elétrica demais para escrever)
te direi que minhas plantas, flores e árvores estão lindas
que minha casinha está imersa no colorido do sorriso do tempo.
E vou ficar muito orgulhosa quando você chegar
e achar bonito também.
A gente pode até acender uma fogueira
e dançar aquela ciranda da rosa vermelha outra vez.
Podemos caminhar até os manguezais.
Cantarei minhas impressões pra você.
Me dê tempo
e te darei flores.
terça-feira, 11 de março de 2008
Lembranças Imaginadas
que presos ao pescoço
minha boca nas feiras de sábado.
se insinuam numa obscenidade
de crianças que desejam se tocar.
Aquelas cascas de verduras jogadas
sobre as raízes da amendoeira
que se molhava a cada fim de tarde.
O silêncio é uma forma de amar.
sem saber direito o que eram de fato.