sábado, 28 de agosto de 2010

Saci(a)

Num dia esfuziante ele apareceu.
O sorriso escorrendo pelo queixo,
me desdisse
boba, lunática, bandida
beijou-me o pescoço
misturou cores na minha boca
cocoricou, apontou para o alto
falou de arranha-céus
me especulou e amanheceu,
dourou um peixe no aquário
carregou água na peneira
filosofou em alemão
e sumiu na contramão do vento.

sábado, 21 de agosto de 2010

Vicky Cristina Parangolé


Dentre ruas confusas a vida prossegue. Hello stranger! Pelas calçadas, pelas esquinas, equívocos, tudo se arrasta e se agita entre fitas e partículas de poeira do ar. A vida se afronta e se acaricia. Meu corpo sem alma, suas palavras sem corpo, nossos olhos sem calma. Mais um gole. Por favor não me mate de gastrite, nem de amor. Me debruço sobre o estandarte vermelho das bocas loucas, não entendo o samba, o passo, mas podemos dançar mesmo assim. Estudo a prosódia dos murmúrios. Te confundo com outros, me desejas em todos, e não vejo problema meu bem, meu pássaro, meu vira-lata de raça. Você ainda precisa saber de mim. Quero inscrever em sua pele a criptografia do desejo. Não mudei de idéia: amar continua sendo uma vulgaridade.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Giz de calçada


Costuro as ruas calmamente
mas procuro um método para assanhar os segundos.
Periquitos andam tronchos nas praças
me pergunto se não se cansam de tanta verdeza.
Sinto tanta saudade
você não suporta mais essa palavra.
Eu a respeito profundamente,
mesmo quando ela entra em estado de pano de chão.
Em estado de asma.
Em estado de lesma.

Meu mestre fazedor de pipas
me ensinou a arte de desgastar palavras.
Ele transformava gavetas em begônias.
Então agora sentada no tamburete da paciência
passo horas a fio a arear a saudade:
macadame, tomate seco, panela de barro,
olho de vidro, soluço, violoncelo,
cais, cumbuca, canto de grilo.
Até que ela se torne um vir a ser
e todas as possibilidades possam morar na lesma.
Até que a asma vire cigarra.

A decadência é para os sem-imaginação.
Eu quero é desenhar nas calçadas.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010



Estado de gravidez crônica e generalizada.
Trazemos inscritas todas as pessoas do mundo.
O coração é o coração de todos.
Miro no espelho e vejo mil faces.
O amor carrega em si a força de todas as crianças,
mulheres, homens, velhos, sereias,
escudo e lança
anda no cavalo de São Jorge.
O amor não aguenta conversa fiada com a moral,
é vagabundo-vagamundo,
se masturba na esquina
e anda em zig-zag no meio da rua.
Balança mas não cai.
O amor é diabético
e insiste em melar o queixo de sorvete.
Mastiga o dicionário,
quer engolir os 5 continentes,
e chora de azia e indigestão.
O amor se vicia em crack
quando não consegue se esparramar na multidão.
O amor quer explodir e virar chuva,
encharcar as terras de generosidade.
O amor quer se estrebuchar no canto dos bêbados.

O amor são as pessoas.

domingo, 1 de agosto de 2010

Brucutú


Com meu graveto solitário
desenho um garoto de côco na areia doce
enquanto o cais ao longe me embalança
Ê ouricurí, babaçú, catolé!
Cantarolo minha maluquice
como quem lança pedra miúda no ar:
beijú, licurí, taboca,
tainha, lêlê, picolé,
pasárgada
leve 10 por 1 real
me leve por 10 centavos
me leve...

Ai menino,
que minhas dores nem maracujá acalma,
nem me distrai os vermes da solidão.
Se pudesse atracaria meu barco nesses olhos mundanos
te enfeitaria inteiro com bandeirolas coloridas
que dançariam safadinhas ao vento
faria festinha pra você gostar.

Tudo isso é muito mais que eu
ínfima menina,
meninotazinha,
que as vezes gostaria de ser cocada
derreter entre as mais generosas bocas
perecer entre os mais raivosos dentes.