terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Dolores


A dor do mundo é grande
e não para de gritar
para que eu possa dormir.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010




Ria, meu amor,
enquanto o mau humor late.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010



Agoras
já floras.


Monto um catavento
com a birutice da tarde.

A angústia dos dedos
não cabe na corda da viola

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Anil



O azul é substância dos céus,
dos mares e do horizonte.


Dono dos olhos da menina

Devorador de almas cinzentas

Fábrica de vaga-lumes

Senhor do alumbramento

Tocador de rebanhos de vento.

Barraco



O riso embriagado

aplaudia
o fuzuê armado.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010




O amor
é bicho sofrido
sempre acompanhado
de capataz pronome possessivo.

O amor
sujeito mais desamparado
sem padroeiro, procissão
nem novena.

Especiaria de canção
é tripa de amor temperado.
Marcado a ferro
cerrado em cárcere
o amor cegou-se
e resignou-se a esta sub-vida.

Mas picharei nos muros da cidade
"O amor também é Gente!"
que é pra ver se alguém se comove
e alforria
emancipa
humaniza o amor.

Jaz


Silêncio de pás:
A greve dos coveiros
paralizou a Morte.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Esquina


Meu corpo
delicadamente devorado pelas horas
dança sem escrúpulos
a disritmia do acaso.

Na esquina dos dias
esqueço rostos e nomes
apago bitucas de cigarro
bebo cafés cada vez mais amargos.
Mas ainda permaneço inteira
ao sabor das desimportâncias
de sua falta de tino
e de trato
vou mirando no à toa
mesmo parecendo fora do compasso.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Que não me venham com imagens rasas.
Linho branco sem gravata vermelha,
vazio de malandragem.

O Palavrista


Eufrásio,
senhor invocado,
colecionador compulsivo de palavras.
Durante horas
estudava o palavreado de pedras,
latas e formigas.
Durante longas noites
de insônia agridoce
procurava palavras
cheirando a traças
ou gotejantes
na boca da pia.
Mas suas prediletas
eram palavradas achadas no lixo.

Eufrásio
gostava de caçar
palavras vadias no vento.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Hai Cai A36



Palabrotas

enramadas
en mi boca.

sábado, 30 de outubro de 2010


Na imensidão
amores vãos.

O que era doce
jabuticabou-se.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Bio-Grafia


Ao contrário do que supunha a morfologia
as palavras possuem estranhas fixações
como morar no assobio
que é a voz do vento.
Outras querem se converter em silêncio
e vagam pelas madrugadas.
Tem palavra
que quer mendigar na boca dos pedintes
se estrebuchar no canto dos bêbados
se derramar nas risadas das putas.

Palavras já nascem vencidas.
Apreciam a vulgaridade
a saliva
o sotaque.
Palavras são da mais baixa estirpe.
Do mais reluzente brilho
do mais fino corte.
As palavras querem comer
o oco das entrelinhas.

Confissão


Passou 6 meses cerrada num convento.
Arranhava o silêncio das orações mastigadas.
A boca seca de palavras
estudava o cinza dos muros,
se consumia entre velas e insônias.
Ave Maria Silenciada.

Os dias se arrastavam
por entre memórias
forjadas em ferro.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Legião de cachorros
sem-dono

pé duro
punho firme.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Namoro


Enfeito seus cabelos
com a flor mais bonita da praça
compro pipoca com coco e manteiga
fala das das matizes da tarde
te silencio com dureza de árvore.
Hai Cai Caymmi:
Carurú
Vatapá
Com pimenta.

A pimenteira descansa suas ardências
na sombra do poste.

O amor cabulou
todas as aulas de etiqueta
pra chupar manga
até entrar fiapo no dente.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Bala Sortida


Achava que gente
era que nem bala sortida
mas Maria fazia brigadeiro triste
quase não saía,
não tinha namorado,
sempre nervosa.
Domingo gostava de tomar coca-cola
e passar cenoura com iogurte no cabelo.

Como tardei a entender
a angústia que dormia no quarto dos fundos.

terça-feira, 12 de outubro de 2010




Quero enxergar
até onde o riso não alcança.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010




Desejo.
Esse desacerto
perfeito.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Boiadeiro


Esse boi você não pega
você não pega esse boi!
cara preta, cara branca
cara estrelada.
Lá vem, lá vem...
chapéu de couro
cigarro de palha
levanta a poeira no terreiro
ê meia hora só!
balança caboclo matreiro
samba no mistério
do barro do chão.

- Esse boi tem a minha cara!
Boi caleidoscópico
que nunca dormiu tranquilo
atordoado pelo choro das criancinhas.
Angústia não é ruminável.
Laçarei a noite vagaluminosa
guardarei seu sono
do chicote
da seca
do vermelho
do ferro.

Ê boi, boi, boi.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Marisqueira


Antes da mulher era o barro.
Foi a lama de Nanã Buruquê,
encharcada da umidade ancestral da terra,
que me moldou
meu rosto
minhas mãos
e até as coisas que eu não alcanço
as coisas que eu não entendo
e que também me constituem.

Mastiga a lama da terra
e entende os segredos mudos do mangue.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Angústias Putanas


Por isto existe no mundo Um escravo chamado

Mulher – Divino Luxo – Navio Negreiro
Graal – Puro Cristal – Desespero
Rosa-robô – Cachorrinho – Tesouro,
Ninguém suspeita dor neste ideal,
A dor ninguém suspeita imperial.

(Mulher Navio Negreiro, Tom Zé)


Ainda me lembro da primeira vez, era uma aparição. Te reconheci mesmo nunca tendo te visto. Talvez eu tenha te desenhado em algum guardanapo do bar enquanto esperava o próximo cliente. Diferentemente daquele gordo careca que achei que reconhecia, mas ele tinha sido cliente quando eu trabalhava no Alecrim. Você não. Você nunca diz palavra, e toma meu corpo num requinte desconcertante. Me paga uma noite inteira sem me exagerar, fazendo querer o seu retorno quase sempre incerto. Eu querendo ser possuída por você enquanto montam em cima de mim mil homens sem faces. Rio muito deles, e choro ainda mais por mim. Se a gente pudesse dançar uma música tranquilamente. Queria ter coragem de te dizer que uma puta também se apaixona. Elisa me desanima, sabe de cor umas 555 histórias onde isso acaba mal. Ah, mas se tudo já vai mal desde sempre! Tem um livro que conta uma história de um velho se apaixona por uma putinha nova. Não sou velha. Marco minha boca de carmim e prendo o cabelo do jeito que acho que te agrada: você sempre me chega sorrateiro por trás, me beija o pescoço, aperta o vestido e meu ouvido arde de desejo em ouvir as coisas que você nunca diz. Diz. Diz. Diz. E enquanto você beija meu corpo um texto de mil páginas passa em minha mente e não sei como mas você toca as palavas sem dizê-las. Eu quero criptografar o desejo e você crava os dentes na minha carne. Puta e poeta! Elisa se diverte. Ela sabe como ninguém as surras que já levei, já me viu desfigurada, segurou minha onda enquanto eu não aguentava sequer levantar da cama. Meu corpo todo noite e onde tudo que é sonho se converte. Inevitável. Uma vez uma cigana me disse que era sina, mas viu um homem que ia me tirar dessa vida. Da agresteza dessa vida vadia e sem futuro. Não sei mais se existe algo que realmente valha a pena. Espero que a Dona Morte venha me buscar no dia da minha aposentadoria. Puta não tem futuro, é a frase predileta de Elisa.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Passarinho Debussy


Um beijaflorzinho
atravessa meu olhar
é tão pequeno
quanto o dedal que minha vó usava
para costurar o ritmo da tarde.

Acalanto


Dim-Dom
dim-dom...
A raspa do som do sino
Pedrinhas de açúcar
O canto de Janaína
prateando os peixinhos
no fundo do mar.

sábado, 28 de agosto de 2010

Saci(a)

Num dia esfuziante ele apareceu.
O sorriso escorrendo pelo queixo,
me desdisse
boba, lunática, bandida
beijou-me o pescoço
misturou cores na minha boca
cocoricou, apontou para o alto
falou de arranha-céus
me especulou e amanheceu,
dourou um peixe no aquário
carregou água na peneira
filosofou em alemão
e sumiu na contramão do vento.

sábado, 21 de agosto de 2010

Vicky Cristina Parangolé


Dentre ruas confusas a vida prossegue. Hello stranger! Pelas calçadas, pelas esquinas, equívocos, tudo se arrasta e se agita entre fitas e partículas de poeira do ar. A vida se afronta e se acaricia. Meu corpo sem alma, suas palavras sem corpo, nossos olhos sem calma. Mais um gole. Por favor não me mate de gastrite, nem de amor. Me debruço sobre o estandarte vermelho das bocas loucas, não entendo o samba, o passo, mas podemos dançar mesmo assim. Estudo a prosódia dos murmúrios. Te confundo com outros, me desejas em todos, e não vejo problema meu bem, meu pássaro, meu vira-lata de raça. Você ainda precisa saber de mim. Quero inscrever em sua pele a criptografia do desejo. Não mudei de idéia: amar continua sendo uma vulgaridade.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Giz de calçada


Costuro as ruas calmamente
mas procuro um método para assanhar os segundos.
Periquitos andam tronchos nas praças
me pergunto se não se cansam de tanta verdeza.
Sinto tanta saudade
você não suporta mais essa palavra.
Eu a respeito profundamente,
mesmo quando ela entra em estado de pano de chão.
Em estado de asma.
Em estado de lesma.

Meu mestre fazedor de pipas
me ensinou a arte de desgastar palavras.
Ele transformava gavetas em begônias.
Então agora sentada no tamburete da paciência
passo horas a fio a arear a saudade:
macadame, tomate seco, panela de barro,
olho de vidro, soluço, violoncelo,
cais, cumbuca, canto de grilo.
Até que ela se torne um vir a ser
e todas as possibilidades possam morar na lesma.
Até que a asma vire cigarra.

A decadência é para os sem-imaginação.
Eu quero é desenhar nas calçadas.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010



Estado de gravidez crônica e generalizada.
Trazemos inscritas todas as pessoas do mundo.
O coração é o coração de todos.
Miro no espelho e vejo mil faces.
O amor carrega em si a força de todas as crianças,
mulheres, homens, velhos, sereias,
escudo e lança
anda no cavalo de São Jorge.
O amor não aguenta conversa fiada com a moral,
é vagabundo-vagamundo,
se masturba na esquina
e anda em zig-zag no meio da rua.
Balança mas não cai.
O amor é diabético
e insiste em melar o queixo de sorvete.
Mastiga o dicionário,
quer engolir os 5 continentes,
e chora de azia e indigestão.
O amor se vicia em crack
quando não consegue se esparramar na multidão.
O amor quer explodir e virar chuva,
encharcar as terras de generosidade.
O amor quer se estrebuchar no canto dos bêbados.

O amor são as pessoas.

domingo, 1 de agosto de 2010

Brucutú


Com meu graveto solitário
desenho um garoto de côco na areia doce
enquanto o cais ao longe me embalança
Ê ouricurí, babaçú, catolé!
Cantarolo minha maluquice
como quem lança pedra miúda no ar:
beijú, licurí, taboca,
tainha, lêlê, picolé,
pasárgada
leve 10 por 1 real
me leve por 10 centavos
me leve...

Ai menino,
que minhas dores nem maracujá acalma,
nem me distrai os vermes da solidão.
Se pudesse atracaria meu barco nesses olhos mundanos
te enfeitaria inteiro com bandeirolas coloridas
que dançariam safadinhas ao vento
faria festinha pra você gostar.

Tudo isso é muito mais que eu
ínfima menina,
meninotazinha,
que as vezes gostaria de ser cocada
derreter entre as mais generosas bocas
perecer entre os mais raivosos dentes.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

SOBRE A MISÉRIA DO PENSAMENTO

O COMPROMISSO É A MISÉRIA DO PENSAMENTO.
VADIAGENS FILOSÓFICAS TEM OUTRA DESENVOLTURA,
COLOCAM RISO NO CONCEITO DA CARA DURA,
E, DE TRAVESSURA EM TRAVESSURA,
TROCAM TEORIA POR POESIA,
CIÊNCIA POR LITERATURA.

Álamo Pimentel

terça-feira, 27 de julho de 2010

Trancelim



pé de pato, mangalô, 3 vezes,
pé de pato, mangalô, 3 vezes,
pé de pato, mangalô, 3 vezes

Meu tesourinho
são besouros e lantejoulas
um dedal de brilhantes
uma saia de chita rodada
blusa branca caída sobres os ombros
meus colares, meus cordões
um vidrinho com perfume secular
um broche de flor
e a borra de café que minha madrinha guardou
desde o dia que nasci.

O batuque no meu peito
é a herança que posso legar a alguém.
Esse pulsar de um samba louco e desenfreado
num dia de chuva
Foi batendo o pé na terra
que vovó me ensinou a sambar
que vovó me ensinou a sambar
Um pezinho de arruda, uma pimenteira,
e meu vira-lata pé-de-vento na janela.

domingo, 25 de julho de 2010

Aquarelável



" E as borboletas do que fui pousam demais por entre as flores do asfalto que tu vais..."
(Belchior)
"Dentro do peito esse fruto apodrecendo a cada dentada..."
(Jards Macalé/ Duda)

Ai que o tempo corre pintando seu manto colorido no vento. Ai que tudo é muito pouco e nada basta, nada sacia, nada adianta. Sem culpa, nem vela. Cantaremos canções com palavras trocadas porque tudo é muito dúbio e disso não foge o amor. Há de se ter respeito às risadas lançadas no ar. Vamos beber as possibilidades que escorrem da madrugada. Olha a vida com seu vestido esvoaçante dançando na esquina enquanto o sol atravessa os prédios. O mar escancarado para o azul lê minha mão. Deixa eu te aprender, deixa eu te esquecer. Vamos saltar o finito como um pula-corda, uma amarelinha e decalcaremos o infinito. Vamos fazer coisas úteis como biscoitos de manteiga, bolhas de sabão, cosquinhas. Um passarinho me contou que tudo que é sólido desmancha no ar.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Crônica da Mulher Assassinada


"Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor..."
(A Flor e o Espinho de Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha)

Era rosa, era flor.
Era princesa, deusa e rainha.
Era, Era, Era ô.
Amélia ô.
Virgem-maria-beatificada-coisificada-estuprada-mutilada.
Ave maria esvaziada de graça.
Ó senhora reguladora dos meus prazeres,
dos meus desejos.
Padroeira do meu desemprego,
da minha frustrante compulsão materna.
Amém.

Uma mulher tem de saber seu lugar.
Abre as pernas que eu meto:
Faca, tesoura, bala, punhal.
Tudo isso porque dizem que ela,
ela, mas ela é prima de Isabela.
Chega!
Nossa Senhora Coisificada,
cortarei os paus da trindade.
Sem pai, sem filho,
nem espírito pretensamente universal.
Montarei a minha vagina dentata
sem hipocrisia monoteísta:
Eva, Genir, Simone de Beauvoir,
Nginga, Pagu nos livrem de todo mal.
Salvem as meninas que gozam.
Salvem as putas de esquina.
Salvem as que não querem ser mães.
As marias-ninguém.
As infiéis.
As loucas.
As mães solteiras.
As lésbicas.

Não permitam que siliconizem minha alma.
Não permitam, minhas senhoras,
que silenciem as que gritam,
que matem as que não se subjugam.


segunda-feira, 24 de maio de 2010

A Menina do Vestido-Bolacha-Maria


a Zéu Britto

Inquietazinha sob minhas pálpebras
aquela menininha naquele vestido.
Um átomo a mais da farinha de trigo
Uma encantadora de biscoitos.

Sofia, Valentina, Catarina
Marilan, Mabel, Mirabel,
peraltice, danadez , jujubinhas
tudo era capricho da vida
naquela miniatura pulsante do existir.

domingo, 23 de maio de 2010

Descaso


Lembro-me perfeitamente daquelas flores rosadas, tendo o teto branco ao fundo, realizando uma parábola e no ar e caindo nas minhas mãos céticas. Foi aí que começou toda a catástrofre. Ao contrário do que diz a tradição, foi ali que todos os meus problemas começaram. Eu as trouxe para casa e coloquei num vaso com água gelada e açúcar, mas essas flores poséticas nem se importaram. Juro que a culpa não foi minha, até perguntei na ocasião o que lhes parecia melhor "açúcar ou adoçante?", mas de nada adiantou. Elas padeciam irreversivelmente a cada batida do ponteiro dos segundos do relógio-herança-do-meu-tio-avô.
Assim começou o meu fim. A direção da vida passou a girar ao contrário. E quando dormia tinha sempre o mesmo pesadelo: flores estragadas e ensanguentadas caíam sobre mim, inundavam minhas pernas e me enjoava aquele cheiro de vermelho ferrugem.
E então eu acordava extremamente angustiada.
Depois eu mesma passei a sangrar constantemente. Não como sangram os poetas, os amores ou qualquer coisa metafórica. Era sangue-lamento de fêmea e que não obedecia ciclo lunar, solar, nenhuma lógica aparente regia essa correnteza. Escorria pelas minhas pernas e deixava um rastro como os pesadelos anunciaram. E então essa dor se tornou cíclica, nessa parte já não lembro onde ela começava, nem como, nem que horas. Meus olhos se apagaram, não enxergava mais o meu tempo-herança-perdida.
As pessoas quase já não me comprimentavam, comentavam entre si o quanto eu estava desgastada, cansada, agoniada, acabada, e no meio disso tudo um dia ouvi "Louca! Olha a doida!". Essa mentalidade interiorana limitada e retrógrada, as pessoas não entendiam minha metafísica de canteiros! Me apropriei do jardim da maior praça que ficava no centro da cidade. Passava grande parte do tempo molhando, conversando e cantando com as plantas. As favoritas eram as cirandas, eu via como elas sorriam colorindo para mim. E isso me acalmava tanto que dei para passar os dias e as noites entre begônias, azaléias e marias-sem-vergonha.
Já não comia quase nada, bebia água quando chovia, algo em mim havia se modificado. Fui drão, brotei em meio aquela dor que me gelava a alma, torturava-me os sonhos. Tudo que em mim era firmeza penetrou na terra, virou raiz. Fotossintetizei o que era carbono e tormento, fumaça e lamento, lançei o que era vida no ar e agora namoro com as viuvinhas pequeninas e pintadinhas que pousam na ponta do meu nariz.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Eterna Brincadeira


Meu pai, eu andei pensando que quando eu morrer eu posso jogar gude com a morte. Posso subir no pé-de-feijão do João e se quando chegar lá em cima o gigante me atormentar, eu salto em doce queda-livre sem sombrinha e ainda por cima contando os passarinhos do ar. Talvez eu voe. Posso comer algodão doce e virar cotonete. Vou nadar no fundo do mar sem roupa de mergulho e escovar os dentes do tubarão. Ao invés de dormir vou ficar decalcando as estrelas e vou poder assistir infinitamente as manhãs. Talvez eu invente cores que tenham sons. Posso ser mágico e enfiar minha cabeça na boca do leão. Vou fazer uma gangue de almas penadas pra assombrar meus primos que me batem. Vou atravessar descalço o deserto de areia quente, melhor, vou correr até o japão sem cansar, rolar na neve sem casaco. Vou mastigar as flores mais exóticas do mundo e fazer um jardim na minha barriga.
Meu pai, eu andei pensando...
o corpo não é uma prisão?

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Ad Infinitum


Queria ser uma pipa, um balão.

Uma bomba.
Uma alma big-bang.
Explodir toda essa angústia diminuta
e criar estrelas faceiras,
cometas embriagados,
galáxias inteiras bordadas em tons de azul.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Acabou Chorare



Todas as manhãs ele bica meus sonhos
cedo, muito cedo
estica meu riso feito lençol no varal
Traz no peito o sol
pousa-se na minha janela
E agora vive a incendiar meus dias.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ao léu


Todos os dias ficava na mesma esquina. O mesmo olhar parado procurando as estrelas que o céu nublado escondia. Dentre os dedos gelados parecia fumar eternamente o mesmo cigarro. Se o silêncio é abismo e palavras são navalhas, lançava-se em queda-livre com tímida coragem.
Mergulhado na dor se protegia dela.

Arqueologia do Toque


I
Uma noite despretenciosa
nem longa, nem curta.
Exata.
Na justa medida dos seus braços.
E daqueles beijos de alambique.
Eu já nem morria de medo
dos seus olhos miúdos de pássaro invocado.
Eu sorria
enquanto você me tocava sem as mãos
enquanto dançávamos sem chão.

II
Apreendi a eroticidade
De naufragar em fragmentos de assobios e canções.

III
Beijos efêmeros que se ardem de não esperar:
A eternidade é o Tempo a rir-se de nós.

IV
A minha boca muito cansada de esperar
Quer cantar suas canções
Recitar seus versos
E comer suas poesias.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Entrega


Faz de mim rio
Assobio
Canção
Trovoada
Qualquer coisa que queira chamar de seu.