quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Boiadeiro


Esse boi você não pega
você não pega esse boi!
cara preta, cara branca
cara estrelada.
Lá vem, lá vem...
chapéu de couro
cigarro de palha
levanta a poeira no terreiro
ê meia hora só!
balança caboclo matreiro
samba no mistério
do barro do chão.

- Esse boi tem a minha cara!
Boi caleidoscópico
que nunca dormiu tranquilo
atordoado pelo choro das criancinhas.
Angústia não é ruminável.
Laçarei a noite vagaluminosa
guardarei seu sono
do chicote
da seca
do vermelho
do ferro.

Ê boi, boi, boi.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Marisqueira


Antes da mulher era o barro.
Foi a lama de Nanã Buruquê,
encharcada da umidade ancestral da terra,
que me moldou
meu rosto
minhas mãos
e até as coisas que eu não alcanço
as coisas que eu não entendo
e que também me constituem.

Mastiga a lama da terra
e entende os segredos mudos do mangue.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Angústias Putanas


Por isto existe no mundo Um escravo chamado

Mulher – Divino Luxo – Navio Negreiro
Graal – Puro Cristal – Desespero
Rosa-robô – Cachorrinho – Tesouro,
Ninguém suspeita dor neste ideal,
A dor ninguém suspeita imperial.

(Mulher Navio Negreiro, Tom Zé)


Ainda me lembro da primeira vez, era uma aparição. Te reconheci mesmo nunca tendo te visto. Talvez eu tenha te desenhado em algum guardanapo do bar enquanto esperava o próximo cliente. Diferentemente daquele gordo careca que achei que reconhecia, mas ele tinha sido cliente quando eu trabalhava no Alecrim. Você não. Você nunca diz palavra, e toma meu corpo num requinte desconcertante. Me paga uma noite inteira sem me exagerar, fazendo querer o seu retorno quase sempre incerto. Eu querendo ser possuída por você enquanto montam em cima de mim mil homens sem faces. Rio muito deles, e choro ainda mais por mim. Se a gente pudesse dançar uma música tranquilamente. Queria ter coragem de te dizer que uma puta também se apaixona. Elisa me desanima, sabe de cor umas 555 histórias onde isso acaba mal. Ah, mas se tudo já vai mal desde sempre! Tem um livro que conta uma história de um velho se apaixona por uma putinha nova. Não sou velha. Marco minha boca de carmim e prendo o cabelo do jeito que acho que te agrada: você sempre me chega sorrateiro por trás, me beija o pescoço, aperta o vestido e meu ouvido arde de desejo em ouvir as coisas que você nunca diz. Diz. Diz. Diz. E enquanto você beija meu corpo um texto de mil páginas passa em minha mente e não sei como mas você toca as palavas sem dizê-las. Eu quero criptografar o desejo e você crava os dentes na minha carne. Puta e poeta! Elisa se diverte. Ela sabe como ninguém as surras que já levei, já me viu desfigurada, segurou minha onda enquanto eu não aguentava sequer levantar da cama. Meu corpo todo noite e onde tudo que é sonho se converte. Inevitável. Uma vez uma cigana me disse que era sina, mas viu um homem que ia me tirar dessa vida. Da agresteza dessa vida vadia e sem futuro. Não sei mais se existe algo que realmente valha a pena. Espero que a Dona Morte venha me buscar no dia da minha aposentadoria. Puta não tem futuro, é a frase predileta de Elisa.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Passarinho Debussy


Um beijaflorzinho
atravessa meu olhar
é tão pequeno
quanto o dedal que minha vó usava
para costurar o ritmo da tarde.

Acalanto


Dim-Dom
dim-dom...
A raspa do som do sino
Pedrinhas de açúcar
O canto de Janaína
prateando os peixinhos
no fundo do mar.