terça-feira, 15 de maio de 2012

Mais sem-razões do amor



Piano de calda no meu chão de barro batido
Sinfonia de Beethoven no alto falante da feira
Pagode russo sonhado pelo Rei do Baião
Ária na boca das lavadeiras
Poema épico de Zé Limeira
Lagoa onde espelho a minha pouca razão
Doçura mítica decantada
Dono dos dias sem azulação.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Marambaia


Meu amor,
preciso de uma casa que caiba a vida inteira.
Uma casa que seja rota de pássaros encantados
e onde gameleiras possam crescer nas paredes.
Cheiro de manhã e madrugada,
vestir branco aos domingos,
tabela de quem laa a louça.
Um dicionário de sinônimos
para acalmar o que preciso dizer
e a virtude que nos cabe.

Acredito mais na alacridade que no amor.
Principalmente no viço da vida
e sua pulsação em cada gesto.
Nossos livros e amigos.
Nossas horas dedicadas ao nada,
poder caber no seu afago.
E uma cama que comporte nossos sonhos
e insônias.

Almejo a elegância do cotidiano,
o riso franco e a palavra aberta.




Demorei muito tempo para descobrir que não sabia ler.
Tanto tempo que nem me lembro o quanto.
Vinte anos na escola, trinta e cinco na universidade, setenta e sete vezes reprovada. Disciplinas e mais disciplinadas transbordavam desconhecimento pelos históricos escolares. Afundei em livros, revistas, jornais, receitas, dicionários, tratados, embalagens, bilhetes, correspondências, placas de caminhão, documentos, bulas, cimento, celulares, legendas, cartas de amor, TV e internet.
E só então descobri minha triste condição de analfabeta funcional - é o que dizem quando se possui uma graduação completa.
Mas só percebi tudo isso quando fui atravessada de sentido.
Quando uma palavra desajustou o meu juízo. E vi os olhos da água quando ferve. Os verdes que habitam no verde. A curva das horas.
Talvez tenham sido borras de dias acumulados que se explodiram todos de uma vez ou o susto desconfiado de uma vida inteira.
Uma garatuja do meu pensamento se apresentou garranchuda no meio do terreiro e dançou como dançam os santos, os loucos, os deuses. Totonha olhava tudo cachimbando num tamburete. Nada dizia, nem precisava. Silêncio é a oração das palavras que ainda não existem. Acho que não teve segredo que as pedras do Jequitinhonha não tenham contado pra ela.
Depois desse dia perdi muitos e muitos pontos e voltei à pé. O vento, assovio do mundo, soprando na minha cabeça. Assuntei com Totonha que fumaçou infinitamente com aqueles olhos grandes.Só restou o risco da poeira no ar.