segunda-feira, 14 de maio de 2012




Demorei muito tempo para descobrir que não sabia ler.
Tanto tempo que nem me lembro o quanto.
Vinte anos na escola, trinta e cinco na universidade, setenta e sete vezes reprovada. Disciplinas e mais disciplinadas transbordavam desconhecimento pelos históricos escolares. Afundei em livros, revistas, jornais, receitas, dicionários, tratados, embalagens, bilhetes, correspondências, placas de caminhão, documentos, bulas, cimento, celulares, legendas, cartas de amor, TV e internet.
E só então descobri minha triste condição de analfabeta funcional - é o que dizem quando se possui uma graduação completa.
Mas só percebi tudo isso quando fui atravessada de sentido.
Quando uma palavra desajustou o meu juízo. E vi os olhos da água quando ferve. Os verdes que habitam no verde. A curva das horas.
Talvez tenham sido borras de dias acumulados que se explodiram todos de uma vez ou o susto desconfiado de uma vida inteira.
Uma garatuja do meu pensamento se apresentou garranchuda no meio do terreiro e dançou como dançam os santos, os loucos, os deuses. Totonha olhava tudo cachimbando num tamburete. Nada dizia, nem precisava. Silêncio é a oração das palavras que ainda não existem. Acho que não teve segredo que as pedras do Jequitinhonha não tenham contado pra ela.
Depois desse dia perdi muitos e muitos pontos e voltei à pé. O vento, assovio do mundo, soprando na minha cabeça. Assuntei com Totonha que fumaçou infinitamente com aqueles olhos grandes.Só restou o risco da poeira no ar.




Um comentário:

Gleice disse...

Adorei a intertextualidade com o conto de Marcelino. E consigo ver muitas reflexões do nosso trabalho impregnadas no texto. Ficou ótimo mesmo!

E que coisa mais linda é essa: "Silêncio é a oração das palavras que ainda não existem"!!! =D

Lindo!

Bjooo!