quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Onde não se escuta o riso do Erê



"Que tempo mais vagabundo
Esse agora
Que escolheram pra gente viver?" *

Tento me explicar aos poucos para ser entendida, já me cansei desse texto, mas posso sim falar uma última vez. É esse seu olhar quando te vejo. Às vezes saio de casa e você está a dormir no pé da ladeira, em sua face existem milhares de rostos, todos marcados como culpados. Você denuncia calado, mas está aí, qualquer um pode ver sua solidão, suas roupas rasgadas, seus pés grossos. O sobressalto em seu peito quando avista as luzes da polícia. A dor no estômago quando escuta os gritos perdidos na madrugada.
Um moleque que masca chiclete para a exposição de Cosme e Damião no centro da cidade, sentado em seu colchão velho e sem forro, que causaria crise alérgica a qualquer classe média.
O tilintar das poucas moedas acompanha seus passos. O dinheiro é Deus. É ele que determina a fome ou sua saciedade. O Gentileza falou em “capetalismo”, o capeta do capital. Será deus ou diabo?
O que me resta é essa dor costumeira que quase já não se sente, essa angústia de um conformismo lustrado por meninos de esquina. Esse cheiro de urina diz muito sobre essa cidade. É exatamente isso, esse cheiro de urina num quarto de paredes umedecidas, pobreza e esse rancor classe média.
Os meninos exibindo suas feridas no sinal e no centro da cidade uma eclética exposição de Cosme e Damião.

* Milagres (Cazuza/ Frejat)

Flornoasfalto

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